terça-feira, 8 de junho de 2010

Bar, Uísque e a Longa Duração.


Faz tempo que não executo um exercício sincero de escrita. Um que seja mais do que palavras jogadas diretas da mente para a tela, que exija um esforço, uma briga interna. A escolha lenta de palavras para exprimir uma idéia. Aproveitarei esse momento para fazê-lo e me perdoem se eu me alongar muito ou ser muito despropositado. Meu objetivo é analisar o desenho acima e refletir um pouco de teoria histórica, mas confesso de antemão, que não sei aonde chegar!

Fiz o desenho acima dentro da seguinte proposta: "Represente o Futuro da maneira que quiser como quiser!". Minha primeira idéia foi simplesmente desenhar uma cidade futurista. Mas fugi dela, pois não tenho confianças técnicas, nem criativas para tal. Decidi desenhar então uma história em quadrinho de uma página. Uma idéia simples: um grupo de amigos no bar, tomando umas cervejas. Nada futurista até então. Só o último quadro o seria, quando um personagem olhasse pela janela e visse a cidade em panorâmica. Mas logo mudei de idéia de novo, quando, depressivo e sozinho ouvia Satriani. Então a imagem de um homem solitário no bar, enchendo a cara de Uísque me veio a mente. Mantive a idéia de um cenário futurista só no último quadro. Todo o plano estava pronto para desenhar, quando resolvi tacar uma pitada de sal, e escrevi essa última frase, dita ao personagem principal: "Mas nós vencemos!". Não quero entrar muito no assunto de como isso me veio a mente, mas aconteceu, e eu achei genial.

Basicamente a história toda se apresenta em dois tempos: o primeiro é o instante, o tempo de uma música. No caso, Memories tem apenas quatro minutos, na versão de estúdio pelo menos. E, por ser breve, pega justamente um momento de paixão, uma pequena dimensão de uma ilusão, de um sonho, de uma conquista. Um momento ambíguo, pois triste, para o narrador, que se lembra de algo ocorrido no passado, a perda de alguma mulher, talvez uma filha, talvez uma esposa. Porém, é um momento feliz, pelo menos para as pessoas que estão ali, vivendo aquele tempo. Mesmo a frase final é positiva, e pode remeter a idéia daqueles dois personagens com fala serem médicos e, bem naquele dia, terem encontrado a cura para alguma doença, que até então era incurável. A mesma doença que levou embora a vida da mulher.

Mas o sentido desse instante, em grande medida, só se revela em maior profundidade quando um período maior de tempo surge. E, o que faz isso na história é justamente o último quadro. Pois, até então, a história poderia ser interpretada como uma cena qualquer acontecendo em algum barzinho contemporâneo qualquer, um simples evento cotidiano. A duração mais longa permite pensar em outros aspectos. Mas, acredito que é errado falar em Longa Duração. Pelo menos naquela história quase imóvel que Braudel defendeu com tanto empenho. Isso, porque de certo ponto de vista, a cidade também está inserida numa realidade social maior, ou seja, as várias cidades que a cercam, o campo e a própria natureza. Mas, temos que concordar que, perto do brilho que é a vida do homem, ela se prolonga demoradamente, atravessando gerações. Um mesmo prédio pode ser presenciado por avô, pai, filho, neto,... Embora seu significado, seu símbolo social mude. Se pensarmos no mapa das ruas, é interessante como existe certa continuidade também. As ruas mudam, vão de ruas de terra, para paralelepipedos e, por fim, asfalto; mudam de sentido, ganham ou perdem sinalizações, semáforos, radares; mudam de nomes. Mas o desenho, as curvas e retas que traçam num mapa se mantém por longos períodos. Períodos maiores que nossas vidas, com certeza. Então, me remeto a essa temporalidade maior da cidade quando digo Longa Duração.

Também pretendo o tempo percorrido do presente, nossa atualidade, até o tempo em que se passa a história quando digo Longa Duração. Uma reflexão de continuidades. Nesse aspecto procurei ressaltar vários pontos: personagens com roupas que são similares as nossas; a relação social com o bar e as relações sociais dentro do bar; o uísque - e não sei se fui bem sucedido, mas no penúltimo quadro tentei fazer a garrafa de tal maneira que remetesse de imediato a uma de Black Label [Num pequeno paralelo, pois não colocarei notas de rodapé: ahh, o uísque! Não é essa magnifica bebida uma realidade de longa duração também?! Quantos anos são necessários para se produzir uma garrafa! E quanto anos uma marca chega a existir! Mas chega desse devaneio.]; a banda, e aqui ressalto os instrumentos e a música escolhida. Em grande parte, aonde quero chegar, é que existe um conjunto de experiências que se mantém, talvez até levado ao limite do argumento. Pois, enquanto instrumentos musicais se encaixam bem nessa idéia de continuidade, roupas já não são assim. Roupas, estilos de se vestir mudam com uma maior agilidade. Basta pegarmos filmes antigos, fotos, e perceberemos isso. Uma certa estranheza na maneira de se vestir. Não acho que essa estranheza seja tão radical a ponto de desvalorizar minha idéia no desenho. Simplesmente, o que quero dizer é que existem realidades sociais que permanecem, são elementos estáveis e, nesse ponto, sou até otimista (ou seria melhor dizer pessimista?), pois mostro um avanço com mudanças não muito radicais. Lógico que isso só em certo aspecto.

Num outro aspecto, a fala: "Hoje temos a cura", pode ser lida de duas maneiras: numa primeira, hoje é apenas sinonimo de na atualidade; numa segunda, hoje pode ser lido literalmente. E, nesse segundo caso, é interessante pensar que os únicos dois personagens com fala na história são médicos e acabaram de encontrar a cura para alguma doença incurável. É verossímil pensar, no caso em câncer. Se pensarmos no significado disso para a medicina é enorme. Esses personagens podem, muito bem, estar fazendo a história. Mas, até que ponto vai a consciência deles nesse processo? Até que pontos eles se vêem como heróis? A reação do personagem principal não é de alguém que vive uma descoberta revolucionária. É a de um indivíduo preso nas suas paixões e mágoas. Preso a memória do passado, talvez mais significativa aos seus avanços na pesquisa de uma cura do que a idéia de entrar para a história e salvar milhões.

O último quadro mostra mudanças estruturais importantes também, que alteram até mesmo a dinâmica da cidade. Confesso que exagerei no argumento. Queria desenhar uma cidade levemente futurista, mas, como minhas habilidades artísticas não me permitiriam,, com o risco de deixá-la parecendo uma cidade atual, resolvi chutar o balde e desenhei uma cidade que gritasse: "sou futurista!". Retornando a dinâmica da cidade, vemos carros voadores o que, por si só, já impõe uma nova relação com o transporte; prédios bizarros, um domo com um bosque,... Essas mudanças, implicam, em certa medida, uma longa passagem de tempo em relação ao presente. São mudanças importantes, com certeza, mas nisso reforço meu argumento das continuidades, dito acima. Vários aspectos de como nos relacionamos, como nos relacionamos, o que bebemos, o que vestimos se mantém.

Creio ter dito muito já. E confesso que me sinto como um tonto por escrever tanto sobre um desenho que eu mesmo fiz. Tentar interpretá-lo até o limite. Confesso que não me sinto satisfeito.

4 comentários:

  1. toda vez q vejo falar em cidade futurista eu penso na capa do albúm "Brave New World" do iron maiden, e isso me lembra como conheci o titulo d um livro antes de saber q era um livro. e o livro por sua vez é muito divertido ao msm tempo q eh tragico...o seu desenho [ou qualquer outra imagem, musica, texto, etc] recupera muita "coisa" em cada pessoa que o ve..interpreta-lo ao limite? dificil

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  2. Concordo. É impossível interpretar no limite, e percebo, relendo meu post que deixei muita coisa de fora. E que não estou satisfeito com a própria profundeza do meu raciocinio. Esperava mais confesso. Acreditava que podia ir mais longe, fazer teorizações mais absurdas. Me sinto limitado, burro.

    Mas minha interpretação é minha. Não é a única possível, nem a verdadeira. Cada pessoa que vê o desenho tem o direito de interpretá-lo como quiser. O desenho, depois de feito, foge do desenhista, como o texto do escritor. Ele se torna então, na medida em que é publicado, visto, discutido, algo social. As vezes com menos significados do que pretendia o autor, as vezes, para sua alegria (ou tristeza) com mais.

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  3. Quando vc desenha uma cidade futurista, na verdade vc junta um monte de elementos q vc associa ao futuro, mas q, evidentemente, não tem necessariamente a ver com o futuro, pelo fato de que vc não conhece o futuro. Isso quer dizer q vc simplesmente junta, nesse caso, elementos q aparecem de forma recorrente nas representações do futuro presentes no cinema, na literatura, na capa do disco do Iron, etc, que compõem uma representação mental imediatamente acessível de futuro. Esses elementos aparecem na própria arquitetura, inclusive: nenhum dos prédios q vc desenhou é completamente distante de coisas q já existem na realidade, e que existem justamente saídas da cabeça de pessoas que tem uma certa representação do tradicional ou do passado, e constroem a partir disso, por oposição, algo q supõem representar o futuro, ou algo além daquilo q já foi visto (pq usam curvas, aço e vidro à mostra, sobriedade no adornamento).

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  4. Verdade. O futuro só pode existir, em uma representação, limitado ao presente.

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