terça-feira, 8 de junho de 2010

notas dispersas

Lenin, no começo do século passado, perguntou-se "Que fazer?". Afinal...

“Quem chegasse, por uma imaginação transbordante de piedade, a registrar todos os sofrimentos, a ser contemporâneo de todas as penas e de todas as angústias de um instante qualquer, esse – supondo que tal ser pudesse existir – seria um monstro de amor e a maior vítima da história do sentimento. Mas é inútil imaginarmos tal impossibilidade. Basta-nos proceder ao exame de nós mesmos, praticar a arqueologia de nossos temores. Se avançamos no suplício dos dias, é porque nada detém esta marcha, exceto nossas dores; as dos outros nos parecem explicáveis e suscetíveis de ser superadas: acreditamos que sofrem porque não têm suficiente vontade, coragem ou lucidez. Cada sofrimento, salvo o nosso, nos parece legítimo ou ridiculamente inteligível; sem o que, o luto seria a única constante na versatilidade de nossos sentimentos. Mas só estamos de luto por nós mesmos. Se pudéssemos compreender e amar a infinidade de agonias que se arrastam em torno de nós, todas as vidas que são mortes ocultas, precisaríamos de tantos corações quanto os seres que sofrem. E se tivéssemos uma memória milagrosamente atual que conservasse presente a totalidade de nossas penas passadas, sucumbiríamos sob tal fardo. A vida só é possível pelas deficiências de nossa imaginação e de nossa memória.
Extraímos nossa força de nossos esquecimentos e de nossa incapacidade para imaginar a pluralidade de destinos simultâneos. Ninguém poderia sobreviver à compreensão instantânea da dor universal, pois cada coração só foi moldado para uma certa quantidade de sofrimentos. Existem como que limites materiais para nossa resistência; entretanto, a expansão de cada desgosto os alcança e, às vezes, os ultrapassa; é freqüentemente a origem de nossa ruína. Daí deriva a impressão de que cada dor, cada desgosto, são infinitos. Eles o são, na verdade, mas somente para nós, para os limites de nosso coração; e mesmo que este tivesse as dimensões do vasto espaço, nossos males seriam ainda mais vastos, pois toda dor substitui o mundo e de cada desgosto faz outro universo. A razão esforça-se inutilmente para mostrar-nos as proporções infinitesimais de nossos acidentes; fracassa ante nossa tendência para a proliferação cosmogônica. Daí decorre que a verdadeira loucura nunca é devida aos acasos ou aos desastres do cérebro, mas à concepção falsa do espaço que o coração se forja...”
Emil Cioran, “A chave de nossa resistência”, tradução de José Thomaz Brum.


Facção Central, "Vida baixa"


Facção Central, "Roube quem tem"

Que fazer?
( ) inércia
( ) homicídio
( ) suicídio
( ) "terrorismo"
( ) n(a).d.a.

Um comentário:

  1. Fecho que é um post mais de luta. Mas citarei Metal Melódico =P
    Tem uma passagem Morphine Child do Savatage que diz:
    "No regrets
    If you just forget
    If a memory is lenient
    You can find it most convenient
    So you let it fade
    Till it's very vague
    Just a silhouette of shadows
    But the shadows are still lingering"

    E, me lembrei disso quando o autor do trecho que você postou diz:
    "A vida só é possível pelas deficiências de nossa imaginação e de nossa memória."

    E a verdade é que ter uma memória fraca é mais conveniente mesmo. Cioran começa com uma questão que envolve o social. Se um indivíduo fosse capaz de assimilar todas as dores sociais ele sucumbiria. Em seguida ele afirma que não é necessário ir tão longe, e concordo com ele: se um individuo fosse incapaz de deixar parte de suas Angústias de perderem, ele sucumbiria.

    É interessante pensar também quando ele toca no ponto que nossas dores para nós são insuportáveis, enquanto a dos outros são ridiculamente inteligeveis ou legitimos. Ridiculamente inteligeveis. Se pensarmos a questão da empatia, a capacidade de sentir o que o outro está sentindo, em alguma medida, não teriamos que, como seres sociais, ser capazes de perceber a dor do outro? Mas, ao mesmo tempo, a dor do outro não passa por uma leitura de nossa mente apenas? Nossas interpretações sobre ela, não são, as vezes, egoístas? Acreditarmos que é simples resolvê-las. Talvez até tiramos proveito disso, para nosso próprio prazer. Mas a verdade é que os sentimentos de uma pessoa são como muros para essa mesma pessoa, muros, cuja altura é uma ilusão e, a pessoa se prende as vezes, quando ele parece grande, mas na verdade é pequeno. Ou tenta pulá-lo, achando que é curto e se quebra no abismo do outro lado.

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