segunda-feira, 7 de junho de 2010

[outro texto antigo na linha da desova]

Na minha terra cada esquina tem um altá com uma funerária anexa. Amores e ódios à primeira vista são ocorrências constantes, registradas nos livros da paróquia e da polícia. Recentemente passamos por um reforma ortográfica e uma cartilha foi entregue a cada casa. É uma edição linda: plastificada, em quatro tomos cilíndricos, folhas duplas e perfumados. As eleições são desmobilizadas e pouco representativas, mas são importantes: elegemos a cada ano filmes e livros que são dispensáveis. Uma pedra que cai, uma espada roubada, o tiro de canhão com moedas de ouro, a boa memória, um velho numa jaula, o veemente vilipêndio ou vitupério do vil porém vigoroso vagabundo que vaga com vigor pela via do vigilante vigário vadio, o amor à família, a morte dourada, o cérebro comido do menino confundido com um macaco: tudo já é pré-conhecido; um quarto sem janelas já desperta inúmeras referências literárias, cinematográficas, musicais, folclóricas, populares, históricas, oníricas, delirantes, excrecentes. Quando não encontramos algo a que se referir nos sentimos envergonhados e a vergonha, por sua vez, nos tira da inércia do vazio referencial em que caiu nossa cultura. E borracha nunca mais.

Um comentário:

  1. todas referências dadas, cultura com vazio referencial, cultura pré-concebida, organizada, (re)criada e justificada institucionalmente. ai como eu gosto das funerárias.

    ResponderExcluir