terça-feira, 22 de junho de 2010

Variação: Marindondofimdomundo [inspirado pelo post anterior]

Meu amigo sempre me disse que o fim do mundo começaria com um marimbondo estourando uma janela. Idéia absurda! Nunca acreditei nela até aquele momento.
Acordei com um grito. Me levantei assustado e fui até o quarto do meu irmão. Chegando no corredor deparei com os meus pais já à porta do quarto dele. Bateram, perguntaram se estava tudo bem. Como não houve resposta, abriram-na. Ficamos todos paralisados. A luz do quarto iluminava um marimbondo gigante, devia ter mais de 1m de comprimento, todo espalhado pelo chão do quarto, suas patas se mexiam vagarosamente nos seus últimos suspiros de vida, derrubando alguns objetos que encontravam pelo caminho. Seus sangue, se posso chamar de sangue aquela gosma, estava por todo lado, assim como fragmentos da janelas e alguns pedaços da parede. Meu irmão estava sentado na cama em estado de choque.
Num ato de coragem, meu pai circulou o marimbondo e recolheu meu irmão. Fechamos a porta do quarto e a trancamos por precaução. Meu pai conversava nervoso com minha mãe, não sabiam o que fazer. Ele resolveu ligar pra polícia e o fez. Mas ao contar a história, tudo o que recebeu foi uma bronca, disseram que na próxima vez que ele passasse um trote lá eles viriam até aqui prendê-lo. Foi então que comentei do meu amigo, e que ele sempre contava essa história dos marimbondos e do fim do mundo. Meus pais me perguntaram o número dele, fui buscar. Ligaram lá e me passaram o telefone. Acharam que era melhor que eu falasse com ele. Quem atendeu foi uma senhora bastante irritada, e, só depois de eu convencê-la que era extremamente urgente ela resolveu acordá-lo. Não contei a história para ela, por precaução. Vai que ela pensa que é trote, assim como os policiais bobos a quem meu pai ligou.
Meu amigo atendeu sonolento:
- Alô? Gerivaldo? Não sabe o que aconteceu. Um marimbondo estourou a janela de casa.
- O quê? Marimbomdo?
- É, um marimbondo gigante. 1m pelo menos.
Ficou um silêncio, mas pude ouvir que ele repetia o que eu disse para a mãe dele e, ela numa voz aterrorizada parecia responder: Virgê Maria!
- Alô? Gerivaldo? O que a gente faz agora? Os policiais não acreditaram.
- Nem se preocupe, não chegariam a tempo.
- A tempo do que?
- Do fim, ora.
- Fim?!
- Fim do mundo.
- ...
- O Mundo é o piano de Deus, e o último movimento começa com um marimbondo estourando uma janela.
- Não entendo.
Meus pais olhavam para mim assustados, como quem procura por socorro. Queria lhes dizer algo, mas o que diria? Não entendia nada que meu amigo falava!
- Escuta, você precisa agir rápido e começar o ritual.
- Ritual?
- De purificação. O sangue do marimbondo é sagrado. Passe no seu corpo. E tente convencer o maior número de pessoas a fazê-lo. Eu e minha mãe estamos indo para ai.
Nisso Gerivaldo desligou o telefone. Olhei para meus pais e falei tudo. Minha mãe tentou protestar, sem muita convicção, que estava tudo errado e o fim do mundo começaria com uma trombeta. Meu pai levava as mãos no rosto e não falava nada. Meu irmão continuava em estado de choque.

Meu pai levantou e decidiu que tinhamos que nos purificar. E começou a andar em direção ao quarto. Como ninguém o seguia, ele olhou para tras e deu um berro. Chamou todos para ir com ele. Chegando lá abrimos a porta. O bicho asqueroso continuava capotado no chão, já não se mexia mais. Olhamos por algum minuto, sem coragem de fazer nada. Meu pai chegou a conclusão de que ele estava morto. Andou em sua direção, como se sentisse sua presença, o bicho mexeu a cabeça e as patas e disse só uma palavra, numa voz gutural: "Água". Ficamos paralizados. Ele repetiu: "Água".
Em medo, saímos correndo do quarto. Claro que, fechamos a porta novamente. O que fora aquilo? O que ele queria dizer com água. Meus pais me deram o telefone e falaram preu ligar pro Gerivaldo. Fiz isso, como ninguém atendia, liguei no celular.
- Alô, Gerivaldo? Onde você tá?
- Tô indo prai. Logo chego.
- O bicho falou. Só uma palavra: Água! O que a gente faz?
- Dá água para ele, ué.
- Como assim?
- Ele deve estar com sede.
Desliguei e falei com meus pais. Minha mãe foi buscar a tigela do cachorro, colocou água e deu para meu pai. Com alguma coragem ele levou até o quarto e colocou perto da cabeça do bicho, que, com algum esforço bebeu tudo numa chupada, e disse: "mais". Meu pai deu a tigela para minha mãe que encheu ela de novo. E, de novo, meu pai levou até o bicho que tomou tudo numa chupada e pediu mais. A cena se repetiu por mais cinco vezes. Como, na última, o bicho não disse nada, saímos do quarto e fechamos a porta.

Nos sentamos na sala, quando minha mãe perguntou pelo tal ritual. Meu pai grunhiu alguma coisa e ficamos lá, sentados. Não sei quanto tempo. Mas não foi muito, pois logo escutamos uns zumbidos absurdamente altos vindo de fora de casa. Corremos para a janela e vimos quatro marimbondos gigantes sobrevoando a casa. Minha mãe gritou: "Tem mais deles! Vão nos matar!" Os novos marimbondos pousaram no quintal, e escutamos uma voz chamar. Meu pai foi até a cozinha e acendeu a luz. De lá dava para ver que alguém montava o marimbondo! Um ser com formas humanas. Meu pai foi até lá. Esse outro marimbondo tinha uns 2m. Dois deles estavam no quintal e os outros dois no telhado, eles tinham rédeas, como cavalos e cada um deles um homem montado.
O que nos falou se vestia de branco e tinha um arco:
- Viemos em busca do Ferrão Sagrado.
- Ferrão sagrado? - sussurrou meu pai.
- Pedimos permissão para entrar.
Estavamos todos confusos, meu pai só sussurou um "tudo bem".
Eles desceram dos seus marimbondos e fizeram uma fila em frente a meu pai. O primeiro era o homem de branco, o segundo se vestia de vermelho e tinha uma espada enorme as costas, o terceiro era negro e segurava uma balança e o quarto e último se vestia de verde. Ficaram parados, encarando meu pai. Como nenhum dos lados esboçava qualquer reação, o primeiro quebrou o impasse dizendo:
- Nos mostre o caminho.
Só então meu pai entendeu o que esperavam. Ele os levou até o corredor e apontou o quarto. Então os quatro tomaram a frente e o abriram, entraram e se ajoelharam, como quem se ajoelha diante de um rei. O homem de branco então falou:
- Oh Ferrão Sagrado. Estamos aqui para obedecer vossos desígnios.
E, um a um, beijaram o ferrão daquele bicho, que tratavam como um Deus, mas, para nós, era um inseto nojento. Voltaram a se ajoelhar. Nisso o marimbondo começou a fazer sons irritantes. Parecia alguma língua estranha - marimbondês, talvez - pois os homens pareciam receber ordens. Quando aquele som irritante acabou, o marimbondo tombou a cabeça prum lado como quem morre. Os homens se levantaram, pegaram o sangue do bicho e passaram na testa. Assemelhava-se ao sinal da cruz, mas, quando se viraram para a gente, vimos que era um símbolo estranho, nunca visto antes. Seus olhos não eram mais humanos. Na realidade, não havia mais olhos, apenas o vazio ou seria o infinito? Olhavamos hipnotizados, como se olhassemos o universo.
Eles saíram, não disseram nada. Apenas subiram nos seus marimbondos e foram embora.

Gerivaldo chegou em casa. Contamos para ele e para a mãe dele o que havia acontecido. Ela se sentou pálida:
- Então já é tarde. Está para começar a qualquer instante.
Abri a boca para perguntar o que. Mas não o fiz, sabia qual seria a resposta, e alguns minutos depois veio a confirmação: a primeira de milhares de bolas de fogo caiu do céu e destruiu a casa do vizinho.

3 comentários:

  1. alguém mascou botões de peiote.

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  2. lendo lembrei do carpentier criticando a vontade louca de uns surrealistas de criarem o mágico e de chocarem com o inesperado a todo custo.. lógico que se trata de um apego desnecessario ao realismo..

    jah prevendo o rodolfo me chamando de intelectualzinho: vc que é!

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