domingo, 12 de setembro de 2010

Maldade

- Ô fio! Compra aí um docinho pra me ajudar a comprar leitinho pras crianças!
Marcinho não era bobo, mas andava por dias estranhos, ultimamente. Olhou a tiazinha que oferecia-lhe docinho por um real e não sentiu compaixão. Pior ainda, Marcinho não sentiu vontade de docinhos, embora tivesse mais que um real no bolso - e ninguém tem nada com isso!
Marcinho era menino bom, mas mesmo assim, pegou a carteira e procurou moedas. Depois de uns vinte minutos mexendo nas moedinhas de 25, 10, 15 centavos, parou um pouco. A tiazinha do docinho, numa dessas, continuava esperando, sem nenhuma impaciência, embora com a mesma tristeza real vinda dos estomaguinhos carentes de seus filhos. Marcinho andava em dias de treta pessoal, e tirou a mão das moedas-mixaria, para depois tirar uma nota gorda de dois reais.
Marcinho deu a nota gorda pra mão esquerda da mulher. "Deus te abençoe!" - a mulher continuava triste, porque 2 reais é gordo mas não é leitinho suficiente.
Marcinho andava meio-na-merda, mas disse, "Boa sorte", porque, apesar de tudo, Marcinho é esperto, e não acredita em Deus e nessas coisas. Isso, a tiazinha deve ter percebido mais ou menos, porque respondeu, "Boa sorte pra você também!" - ainda triste, apesar dos 2 reais. Mas Marcinho não precisa de sorte...
Marcinho, já longe de sua boa ação do ano, pensa que deveria ter perguntado à mulher sobre os filhos, sobre o que eles têm além de fome, sobre os docinhos, sobre quem os faz...
Continuou andando e sentiu o cheiro gostoso de batatas fritas de plástico norte-americanas: era o Mcdonalds, pertinho.
Marcinho nunca foi filho da puta, mas pensou que os filhos da mulher serão, se crescerem, traficantes de docinhos e mortos de fome, não importando quantos dois reais generosamente lhes dêem. "Será transformador apenas se a tiazinha bondosa e triste fizer-me o favor de por algum ra-ti-ci-da no leitinho enquanto os filhos estiverem distraídos com as baratas que acasalam-se debaixo de seus lençoizinhos..."
Marcinho não sentiu vergonha do que pensou. Como se não bastasse, apesar de ser garoto decente, não sentiu vergonha de não sentir vergonha.

Um comentário:

  1. A questão de sentir vergonha nem passou na cabeça de Marcinho, que, provavelmente, esqueceu da existência da tia do docinho enquanto comia uma batata plástica norte-americana.

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